O mercado de apostas esportivas on-line no Brasil explodiu nos últimos anos, movimentando bilhões de reais. No entanto, a falta de regulamentação adequada, os impactos sociais negativos e a evasão fiscal levaram o tema ao centro das discussões políticas e econômicas. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Apostas Esportivas tem investigado as irregularidades do setor, enquanto o governo avança com medidas para restringir o acesso de populações vulneráveis a bets, incluindo o bloqueio de CPFs de beneficiários do Bolsa Família.
A CPI marcou para esta semana as oitivas do presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, e da influenciadora Deolane Bezerra. Galípolo deve prestar explicações sobre o papel da autoridade monetária na regulação e fiscalização no contexto das apostas esportivas eletrônicas no Brasil. Ele pode recusar comparecimento, pois foi convidado para comparecer à comissão, mas confirmou comparecimento. A oitiva dele está marcada para terça-feira, às 11h.
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Na semana que passou, a CPI das Bets destacou os riscos associados ao vício em jogos, conhecido como ludopatia. O presidente da comissão, senador Dr. Iran (PP-RR), ressaltou que o impacto das apostas é especialmente grave entre os jovens, que, em muitos casos, comprometem a renda familiar. Ele frisou que “a ludopatia está consignada no Código Internacional de Doenças e já se tornou uma epidemia no Brasil”.
Estudos apresentados na comissão, instalada em novembro, apontam que as plataformas utilizam algoritmos que incentivam a permanência dos jogadores, oferecendo pequenos ganhos iniciais e, posteriormente, promovendo perdas progressivas. A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), relatora da CPI, foi enfática ao afirmar que “ninguém ganha das bets”. “A estratégia dessas empresas é criar uma ilusão inicial de lucro e, quando a pessoa percebe, já está viciada.”
O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, confirmou que os cartões do Bolsa Família terão “limite zero” para pagamentos em sites de apostas. Além disso, o Projeto de Lei 3703/2024 propõe proibir que beneficiários de programas sociais utilizem seus recursos em apostas esportivas on-line. Caso descumpram a regra, poderão perder o direito ao benefício.
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Apesar dessas restrições, um levantamento do site Aposta Legal revelou que, nos primeiros meses de 2025, casas de apostas ilegais lucraram cerca de R$ 350 milhões, mesmo com os bloqueios. O relatório também apontou que plataformas não regulamentadas registraram mais de 30 milhões de acessos no Brasil entre janeiro e fevereiro deste ano.
A evasão das restrições ocorre porque muitas dessas empresas operam a partir de paraísos fiscais, como Gibraltar, Malta e Curaçao. O senador Dr. Iran enfatizou a necessidade de estabelecer mecanismos eficazes para evitar que o dinheiro gerado por essas apostas saia do Brasil sem retornar benefícios para a economia nacional.
Galípolo comparecerá à CPI justamente para explicar como funciona a rastreabilidade das moedas utilizadas nas apostas, especialmente o uso de criptomoedas, que dificultam a fiscalização. Ele também detalhará os impactos do jogo para as famílias de baixa renda e as estratégias do BC para coibir transações ilegais.
Responsabilidade
Diante da dimensão do problema, a comissão também discute a responsabilidade de influenciadores digitais que promovem plataformas de apostas sem qualquer alerta sobre os riscos envolvidos. “A gente precisa discutir se vale a pena deixar que esses influenciadores ganhem milhões de reais estimulando jovens a jogar. Eu acho que isso não está muito certo. Precisamos discutir isso e, eventualmente, proibir esse tipo de propaganda”, afirmou Dr. Iran.
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Deolane, que foi alvo da Operação Integration, que apura um esquema de lavagem de dinheiro nos jogos de azar, incluindo as apostas on-line, foi convocada à CPI, sendo obrigatório seu comparecimento, salvo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A oitiva dela está marcada para a quinta-feira, às 11h.
Efeito devastador
Durante a sessão da CPI das Apostas na última terça-feira, o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, destacou a gravidade da ludopatia no país, afirmando que “não existe nenhuma possibilidade da pessoa enriquecer, as bets sempre ganham”. Ele alertou que o vício em apostas on-line é uma doença mental com efeitos semelhantes aos das drogas, afetando diversas faixas etárias e classes sociais, e que já compromete famílias inteiras.
O drama é refletido no relato de Érika Moreira, 22 anos, que enfrentou o vício em apostas e hoje luta para reconstruir a vida ao lado da filha de dois anos. “O vício em jogos destruiu a minha vida, a minha saúde mental, a saúde mental da minha família, e estragou todos os meus relacionamentos. (…) Conheço centenas de pessoas em grupos de apoio que vivem o mesmo drama. Pessoas se suicidam toda semana porque não aguentam a pressão. É surreal que a mídia não fale disso todos os dias. O vício destrói, silencia e mata aos poucos.”
*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro
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