Parlamentares de oposição entregaram nesta segunda-feira (09/09) um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O pedido foi entregue ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. É nessa Casa legislativa que pedidos de impeachment contra ministros do Supremo são analisados.
Por conta disso, os senadores de oposição não assinaram o pedido de impeachment, pois eles deverão se manifestar formalmente durante o processo na Casa.
Entretanto, os senadores de oposição demonstraram apoio à iniciativa em entrevista coletiva nesta segunda-feira junto a deputados federais que assinaram o documento.
A insatisfação de parte da população e dos políticos com Moraes foi acirrada nas últimas semanas.
No fim de agosto, a rede social X (antigo Twitter) foi suspensa no Brasil após decisão de Moraes — posteriormente endossada pela 1ª Turma do STF. A suspensão ocorreu após meses de discordância entre Moraes e o dono do X, o bilionário Elon Musk.
O X vinha descumprindo algumas ordens judiciais assinadas por Moraes em meio a investigações sobre desinformação e propagação de notícias falsas, enquanto Musk acusava o ministro do STF de ser um “ditador” que vinha cerceando a liberdade de expressão.
Também em agosto, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma série de reportagens sobre mensagens de WhatsApp que teriam sido trocadas por assessores do ministro Alexandre de Moraes no STF solicitando informalmente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a produção de relatórios sobre investigados nos inquéritos das fake news e das milícias digitais envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), aliados e apoiadores.
Além de ministro do STF, Moraes foi presidente entre agosto de 2022 e maio de 2024.
De acordo com a reportagem, as mensagens foram trocadas entre agosto de 2022 e maio de 2023, período que abrange tanto a campanha eleitoral de 2022 quanto o período pós-eleitoral.
A Folha afirma ter tido acesso a aproximadamente 6 gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp. O jornal disse que o material não foi adquirido por meio de hackers ou algum tipo de interceptação ilegal.
Em resposta à publicação, o gabinete de Moraes divulgou uma nota na qual defendeu que a solicitação de informações a outros órgãos, incluindo o TSE, é uma prática comum e justificada pelo “poder de polícia” do tribunal.
A movimentação da oposição lançou luz a um dispositivo legal que, embora previsto em algumas normas, nunca foi posto em prática no Brasil: o impeachment de um ministro do STF.
A BBC News Brasil ouviu especialistas que explicaram como seria o rito de um processo de impeachment envolvendo um ministro da mais alta Corte brasileira.
Segundo eles, os trâmites seriam muito parecidos aos processos envolvendo presidentes da República — uma das principais semelhanças é a natureza “política” do julgamento.
Quais crimes podem gerar afastamento de ministro do STF
De acordo com a assessoria de imprensa do Senado, não há previsão constitucional para o impeachment de um ministro do STF. Apesar disso, o inciso II do artigo 52º da Constituição Federal diz que compete ao Senado processar e julgar ministros do STF quanto a crimes de responsabilidade.
A definição sobre quais são os crimes de responsabilidade para ministros do STF está prevista na lei 1.079, de 1950.
Os crimes de responsabilidade para ministros do STF são:
- Alterar decisões, exceto por meio de recurso, decisões ou votos que já foram proferidos em sessão do Tribunal;
- Participar de julgamento quando, por lei, ele estaria impedido por suspeição, que é quando um ministro ou juiz tem algum tipo de vínculo com o tema ou com as partes envolvidas no processo;
- Exercer algum tipo de atuação político-partidária;
- Desídia (negligência ou descuido) no cumprimento dos deveres;
- Proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro das funções de ministro do STF.
Para o advogado Clóvis Bertolini, doutorando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), a definição de crime de responsabilidade para ministros do STF é vaga, assim como ocorre com presidentes da República.
“Quando a lei do impeachment foi editada, em 1950, o Brasil vinha do regime totalitário de Getúlio Vargas e tentou-se impedir alguns abusos cometidos os anos 1930 e 1940, mas não houve um detalhamento sobre o que poderia constituir um crime de responsabilidade para um ministro do STF”, disse Bertolini à BBC News Brasil.
Na avaliação dele, a análise sobre se um ministro cometeu ou não um crime de responsabilidade depende da interpretação política dos senadores.
“No caso do impeachment dessas autoridades, a definição é muito vaga e esses critérios passam a ser preenchidos ou não de acordo com a interpretação dos parlamentares que vão julgar o caso. O impeachment é um processo de natureza jurídica, mas a avaliação é política”, disse.
As etapas do impeachment de ministro do STF
Sejam quais forem os supostos crimes de responsabilidade a serem atribuídos a Alexandre de Moraes, um eventual processo de impeachment contra o ministro deverá seguir um rito que, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, deverá ser muito semelhante ao processo de impeachment dos ex-presidentes Fernando Collor, em 1992, e Dilma Rousseff (PT), em 2016.
Clóvis Bertolini e Rodrigo Kanayama, professor de Direito na UFPR, afirmam que o processo teria as seguintes etapas:
- Autorização: cabe ao presidente do Senado autorizar o início do processo de impeachment de um ministro do STF ou não. Se ele autorizar, o caso vai para a fase seguinte;
- Comissão especial: cria-se uma comissão especial formada por integrantes do Senado. Essa comissão terá a função de elaborar um relatório sobre a denúncia e aprovar, preliminarmente, se ela atende os requisitos legais ou não. Após a elaboração do relatório, ele pode ser aprovado ou rejeitado. Se for aprovado por maioria simples (metade mais um dos presentes à comissão), o relatório é encaminhado ao Plenário do Senado;
- Admissibilidade no Plenário: caberá ao Plenário do Senado votar pela admissibilidade da denúncia. Se o relatório for aprovado por maioria simples, o processo de impeachment tem prosseguimento. Caso isso ocorra, o ministro é afastado do seu cargo pelo prazo de até 180 dias. Se o processo não for julgado neste prazo, o afastamento preliminar perde a validade e o ministro pode voltar ao cargo até que haja a finalização do caso;
- Julgamento: nesta fase, há a coleta de provas, depoimentos e o ministro alvo do processo pode, se quiser, fazer sua defesa no Plenário do Senado. Nesta etapa, a condução dos trabalhos do julgamento no Senado será feita pelo presidente do STF. Ao final desta fase, é feita uma votação. Para a perda do cargo, é preciso que pelo menos dois terços dos senadores votem a favor do impeachment.