A medida foi antecipada pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), durante entrevista coletiva, em Brasília (DF), sobre os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados mais cedo.
A ideia é criar um imposto mínimo para os super-ricos. A expectativa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é que a arrecadação com essa taxação ajude a financiar a isenção de Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil mensais, que também deve ser confirmada por Haddad.
A inspiração do governo
Em entrevista ao InfoMoney, em setembro deste ano, o secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, disse que a ideia levada à discussão pelo governo brasileiro nos fóruns internacionais se baseia nas sugestões do economista francês Gabriel Zucman, o que poderia envolver o conceito de imposto sobre patrimônio como garantia do pagamento de um montante mínimo de IR por grupos de maior renda.
“Basicamente, a ideia é, no caso dos muito ricos, ter uma alíquota anual sobre o patrimônio, que só seria cobrada se a tributação via Imposto de Renda dessas pessoas não chegasse a determinado valor”, explicou, na ocasião.
Isso porque muitos dos chamados “super-ricos” atualmente contam com benefícios tributários (caso da própria isenção para a distribuição de lucros e dividendos) que tornam as alíquotas efetivas de impostos por eles recolhidas muito baixas ─ em muitos casos, irrisórias em termos percentuais quando comparadas àquelas cobradas sobre grupos mais pobres da população, que normalmente têm uma fatia maior de seu orçamento comprometida pela mordida do leão.
“No fundo, é um imposto sobre patrimônio que serve como imposto de renda mínimo para as pessoas muito ricas. É isso que está sendo levado para discussão no G20. O que acontece em muitos casos é que pessoas muito, muito ricas muitas vezes não pagam nada de Imposto de Renda”, prosseguiu Appy.
Em reuniões recentes no âmbito do G20, o ministro Fernando Haddad fez discursos enfáticos pela cobrança de impostos sobre os “super-ricos” como instrumento para arrecadar recursos para o combate à fome e o enfrentamento às mudanças climáticas no mundo. Ele também destacou subterfúgios usados por bilionários para driblar os sistemas tributários em vez de recolher os impostos devidos.
“Isso faz com que, no topo da pirâmide, os sistemas sejam regressivos, e não progressivos”, disse o ministro em julho. “Se os bilionários pagassem o equivalente a 2% de sua riqueza em impostos, poderíamos arrecadar de US$ 200 a US$ 250 bilhões por ano. Ou seja, aproximadamente cinco vezes o montante que os 10 maiores bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento à fome e à pobreza em 2022.”
No Brasil, a Constituição Federal atribui à União instituir impostos sobre: 1) importação; 2) exportação de produtos nacionais ou nacionalizados; 3) renda e proventos de qualquer natureza; 4) produtos industrializados; 5) operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; 6) propriedade territorial rural; 7) grandes fortunas, nos termos de lei complementar (que jamais foi regulamentada); e 8) produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar.
Por diversas vezes, parlamentares de diversas correntes ideológicas tentaram avançar com projetos de lei complementares para regulamentar a taxação sobre grandes fortunas. Algumas das tentativas mais recentes foram encampadas pelos deputados federais Jorge Goetten (PL-SC), com o PLP 69/2023; Luiza Erundina (PSOL-SP), com o PL 2726/2022; e Nereu Crispim (PSD-RS), com o PLP 74/2022.
Antes deles, uma das iniciativas mais conhecidas foi a da ex-deputada federal Luciana Genro (PSOL-RS), assinada em conjunto com colegas de bancada. O texto traz o desenho mais comum para esse tipo de tributação: a cobrança sobre o patrimônio a partir de determinado montante, com alíquotas crescentes por faixa.
Mas um modelo novo também chegou a ser discutido no mundo político, que envolve um híbrido entre estoque e fluxo. Neste caso, a ideia seria utilizar o estoque para definir o grupo de pessoas sujeitas à tributação a partir do patrimônio acumulado, mas a cobrança seria feita a partir da renda anual de cada uma delas ─ proposta que se aproxima daquela oferecida por Gabriel Zucman.
Nos textos que tramitam na Câmara dos Deputados, também há diferença na linha de corte para a tributação. Luciana Genro defendia a cobrança em casos de patrimônio acima de R$ 2 milhões. Já Goetten e Crispim miram valores que superem R$ 10 milhões.
Possibilidades
Segundo informações publicadas nesta quarta-feira pelo jornal Folha de S.Paulo, a equipe econômica do governo já vinha estudando a possibilidade de adotar uma alíquota mínima – entre 12% e 15% – da renda para pessoas físicas que tivessem ganhos acima de R$ 1 milhão por ano.
Como se trata de um grupo que costuma ter seus ganhos concentrados em rendimentos isentos, como lucros e dividendos, a alíquota efetiva no topo, ao fim e ao cabo, é bem menor (inferior a 2%).
Um outro caminho é encaminhar um projeto de cobrança sobre altas rendas, mas menores do que R$ 1 milhão. Desta forma, haveria margem para que o Congresso Nacional aumentasse o critério de incidência do imposto sem que todo o potencial alcance da medida fosse drenado.
Brasil encampou proposta em fóruns internacionais
Em julho, durante reunião de ministros da Fazenda dos países do G20, no Rio de Janeiro (RJ), o ministro Fernando Haddad defendeu a tributação global sobre os super-ricos.
A iniciativa, proposta pela presidência brasileira do G20, estabelece uma Aliança Global para obter recursos para a implementação de políticas públicas e tecnologias sociais eficazes para a erradicação da fome e da pobreza no mundo. O G20 é o grupo formado pelas 19 maiores economias do planeta mais a União Europeia e a União Africana.
“Outra forma de mobilizar recursos para o combate à fome e à pobreza é fazer com que os super-ricos paguem sua justa contribuição em impostos. Ao redor do mundo, os super-ricos usam uma série de artifícios para evadir os sistemas tributários. Isso faz com que, no topo da pirâmide, os sistemas sejam regressivos, e não progressivos”, afirmou Haddad.
“A nosso pedido, o economista Gabriel Zucman preparou um estudo mostrando que, se os bilionários pagassem o equivalente a 2% de sua riqueza em impostos, poderíamos arrecadar de US$ 200 bilhões a US$ 250 bilhões por ano, ou seja, aproximadamente 5 vezes o montante que os 10 maiores bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento à fome e à pobreza em 2022”, explicou o ministro.
No fim do ano passado, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei que mudou as regras de tributação para aplicações financeiras mantidas por brasileiros no exterior e instituiu a cobrança do chamado “come-cotas” para fundos exclusivos.
Países como França, Espanha, Alemanha e África do Sul já sinalizaram apoio ao projeto, por meio do qual os multimilionários teriam de pagar, todos os anos, impostos no valor de pelo menos 2% da sua riqueza total.
Por outro lado, a proposta brasileira tem encontrado resistência nos Estados Unidos e em alguns países europeus.
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