A carta enviada ontem (5/8) por ex-presidentes da América Latina e da Espanha para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aumentou a pressão para que o Brasil reconheça que houve fraude na reeleição do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Porém, o Palácio do Itamaraty vê na carta falta de informações sobre a atuação brasileira.
Segundo um diplomata do alto escalão ouvido sob reserva pelo Correio, a carta demonstra que os ex-presidentes desconhecem as ações da chancelaria e do próprio presidente Lula na crise, tomadas nos bastidores. Para ele, o chefe do Executivo está fazendo exatamente o que o documento pede desde a segunda-feira passada (29/7) – ou seja, dia seguinte à eleição.
“Chegaram com uma semana de atraso, porque só tem informação de jornal”, disse o diplomata. Outro interlocutor defendeu que a carta já está alinhada com o que o governo brasileiro defende, com a divulgação das atas.
O grupo de 30 ex-presidentes de países da América Latina e da Espanha enviou ontem a carta ao presidente Lula. Em tom duro, eles denunciaram fraude nas eleições e a dura repressão do governo Maduro contra opositores após o pleito, e cobraram que Lula se posicione contra o chavista.
“O que está acontecendo é um escândalo. Todos os governos americanos e europeus sabem disso. Admitir tal precedente ferirá mortalmente os esforços que continuam a ser feitos com tanto sacrifício nas Américas para defender a tríade da democracia, do Estado e dos direitos humanos. Não exigimos nada diferente do que o próprio presidente Lula da Silva preserva em seu país”, diz a carta.
Acesso às atas e diálogo são prioridade
A chancelaria mantém a postura de cautela desde a semana passada, apesar da pressão que sofre para denunciar fraude na reeleição de Maduro. Para o Itamaraty, a prioridade agora é obter as atas e manter o canal de diálogo seja com o regime Maduro, seja com a oposição. “O resto pode esperar”, disse um integrante da pasta.
O mesmo faz Lula. Apesar da declaração contestada da última terça-feira (30/7), quando disse não haver “nada de grave” ou “anormal” no pleito venezuelano, ele insiste na divulgação das atas. O presidente voltou a cobrar transparência ontem, após reunião com o presidente do Chile, Gabriel Boric. No mesmo dia, o governo Maduro anunciou a entrega das atas ao Tribunal Supremo de Justiça para a realização de uma auditoria. Porém, o Itamaraty e a comunidade internacional defendem que os documentos sejam tornados públicos.
O presidente Lula sofre desgaste político com o prolongamento da crise. Aliado conhecido de Maduro, ele sofre pressão até de aliados que condenam o chavista. Ele terá que, eventualmente, reconhecer ou não a reeleição de Maduro, mas o aumento da repressão na Venezuela, a demora na liberação das atas e a pressão de outros líderes aumentam o custo da decisão – como uma queda em sua popularidade, especialmente perto das eleições municipais.